12 de agosto, 2020

Dia Nacional das Artes: Cândido Portinari ‘descobriu’ o Brasil ao retratar plantações de arroz e feijão no interior

Sob o prisma da arte, um dia de colheita de arroz, café ou feijão pode desvendar toda a história de um povo e levar o país para as galerias mais conceituadas do mundo. No Dia Nacional das Artes, vamos lembrar a história de Cândido Portinari, pintor nascido na pequena Brodowski (SP), e que se tornou um pilar do movimento modernista, ajudando o Brasil a se redescobrir entre as décadas de 1930 e 1950. 

Em sua obra, Portinari retrata um Brasil de trabalhadores, com destaque aos negros e mestiços. Os traços originais e a extrema habilidade técnica, talhada por anos de uma rica formação acadêmica, somada, é claro, ao seu talento natural, fizeram do pintor um dos maiores expoentes da arte nacional, cujas obras são reconhecidas tanto dentro quanto fora do país.

Terceiro do grupo de 12 irmãos, o pintor cresceu em uma fazenda de café, em meio aos trabalhadores da propriedade, que abastecia tanto a cidade quanto os arredores, por meio da linha férrea que cortava os campos. Aos 15 anos, a vocação artística falou mais alto e ele decidiu que era hora de embarcar ao Rio de Janeiro, para tentar ingressar na Escola de Belas Artes. 

Quadro “Colheita de Feijão”, de 1957

Com apenas o primário completado, foi preciso batalhar em terras cariocas para terminar as disciplinas colegiais, objetivo alcançado em 1921. Sua formação na Escola de Belas Artes terminou em 1928 de maneira triunfal, com direito a uma bolsa de dois anos de estudos na Europa. No velho continente, Portinari conheceu de perto técnicas utilizadas na França, Espanha e Itália. Foi um período de pouca produção e muito aprendizado. 

“Quando ele vai para fora do país e tem contato com as técnicas e movimentos europeus, Portinari acaba por se confrontar com quem ele realmente era: um caipira do interior de São Paulo. É aí que ele volta decidido a pintar não uma realidade embranquecida do Brasil, mas o país sem os filtros do europeísmo. Essa viagem, apesar de propositadamente pouco produtiva, foi determinante para que ele decidisse por uma arte voltada ao social”, explica a doutoranda em Estética e História da Arte pela USP (Universidade de São Paulo), Danielle Nastari.

No lugar certo, na hora certa

Em seu doutorado, Danielle se debruça sobre a carreira deste que é um dos pintores mais icônicos do país, principalmente nas décadas de 1930 e 1940. De acordo com ela, o grande trunfo da obra de Portinari está em retratar o Brasil como ele é, após uma época em que o país queria se vender com uma roupagem embranquecida e deixando de fora a característica miscigenação. 

“Cândido Portinari estava no lugar certo, na hora certa. Enquanto sua obra começava a ganhar relevância entre intelectuais da época, o Brasil passava a viver um momento de nacionalismo muito forte com o Estado Novo. O país buscava aquela identidade que estava presente nas obras do pintor”, afirma. 

Aliado ao talento natural do artista, essa política da época ajudou a catapultar a carreira de Portinari. O pintor foi o responsável por icônicos painéis em feiras internacionais, onde representava um novo retrato de Brasil. A internacionalização de sua carreira foi além desses eventos, principalmente quando os Estados Unidos estreitavam relações com o Brasil na época da chamada política da boa vizinhança, nos anos de 2ª Guerra Mundial. 

Quadro “Colheita de Arroz”, de 1957

Nesse período, o pintor brasileiro foi alçado a estrela internacional, com exposições no Moma (Museu de Arte Moderna de Nova York), entre outras conceituadas galerias. “Nessa época, ganha a imprensa norte-americana a narrativa de que Portinari era um menino pobre, de uma plantação de café que emergiu vencendo todas as suas dificuldades e acreditando em seu talento. Um discurso conveniente ao governo que quer motivar a população após a grande depressão da Bolsa em 1929”, afirma Danielle.

Mas ao longo da carreira, Portinari reafirma seu talento, com exposições de enorme prestígio em Paris, por exemplo, onde foi aclamado pelos principais críticos da época. Ao longo de sua carreira, o pintor dialogou muito com contemporâneos, principalmente o espanhol Pablo Picasso. Por seus murais e temática de trabalhadores, foi muito comparado ao mexicano Diego Rivera. Mas a alusão era rejeitada pelo próprio Portinari.

“Ele era um excelente pintor em termos técnicos, além de um workaholic total. Misturava em seu trabalho referências aos ícones do renascimento italiano com o que havia de contemporâneo à época. O discurso de que Portinari era um garoto sem formação ou educação ficou para trás, já quando ele ingressou na Escola de Belas Artes. Foi um artista muito culto e que também era capaz de produzir desenhos extremamente acadêmicos”, completa.

Pintor retratou trabalhadores negros e mestiços e revelou o Brasil das plantações

Arroz e feijão

As imagens de exaltação do trabalhador rural retratadas pelo artista valorizam o trabalho do homem do campo e mostram todo o processo das colheitas feitas nas lavouras. Dentre as mais famosas estão “Colheita de Feijão” (1957) e “Colheita de Arroz” (1957). 

Em Colheita de Feijão, por exemplo, percebe-se seis homens em círculo com uma espécie de chicote nas mãos batendo o feijão, que se encontra no centro da imagem. Há, também, mulheres, crianças e animais, bem como um campo de feijão com parte ainda não colhida.

Em Colheita de Arroz, há dois meninos batendo arroz em paisagem de campo onde, por trás da mesa, vê-se menino em pé, com os braços para cima e dobrados para trás, sugerindo estar segurando um feixe comprido do qual se vêem as pontas acima de sua cabeça. Do outro lado da mesa, há também uma figura de costas com braços para cima e dobrados para trás, segurando um feixe comprido de pés de arroz. O fundo é composto por animais, bem como uma plantação de milho e arroz.