Pessoas com deficiência

21 de setembro, 2020

O papel do esporte na inclusão das pessoas com deficiência

O dia a dia do metalúrgico Rodrigo Ferreira Lima, 37 anos, mudou completamente há 14 anos, quando um acidente de carro o colocou dentro de um grupo grande e por vezes invisível no Brasil: 25% dos brasileiros são pessoas com deficiência. 

Neste dia 21 de setembro, é lembrado o Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência. O objetivo é destacar a importância de políticas e ações para inclusão de pessoas com algum tipo de deficiência na sociedade.

No Brasil, são 46 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, seja ela visual, auditiva, motora, mental ou intelectual, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Rodrigo integra esse grupo. E foi com o amparo de uma organização social que ele retomou sua vida, mesmo com as limitações impostas pelo acidente.

O esporte para as pessoas com deficiência

Diretor do Instituto Athlon, uma organização não governamental e sem fins lucrativos, Kelvin Gyulo Bakos defende o esporte como uma das ferramentas para ajudar pessoas com deficiência a superarem barreiras psicológicas, buscando uma integração com a sociedade.

“A gente percebeu que é possível combater o preconceito com o esporte, e isso ficou ainda mais evidente durante as Paralimpíadas. Muitas pessoas não sabiam nem mesmo que existia esporte para deficientes até 2016, quando os Jogos Paralímpicos foram transmitidos na TV, o que ajudou a quebrar barreiras”, afirma Kelvin. 

O Instituto Athlon trabalha no desenvolvimento de deficientes, a partir de atividades esportivas, desde 2011. Ao longo desses anos, seus atletas conquistaram mais de 2.000 medalhas em diversas competições, tornando-se referência na gestão e no desenvolvimento de modalidades paradesportivas em São José dos Campos (SP). 

“A reabilitação para um deficiente é algo muito interno e escondido. E o esporte tem ajudado a romper barreiras e combater o preconceito. A partir dos desafios, que são combatidos diariamente, nossos atletas manifestam melhorias contínuas e superam as dificuldades”, destaca Kelvin. 

A história de Rodrigo

Pessoas com deficiência: Rodrigo Ferreira Lima
Rodrigo Ferreira Lima, jogador de vôlei paralímpico

É o caso de Rodrigo. O metalúrgico conta que estava indo trabalhar, em 2006, quando colidiu com outro automóvel. “Fui arremessado para fora do carro. Enquanto estava no chão, acabei sendo atropelado pelo meu próprio veículo, que estava sem controle, fui arrastado a cinco metros e prensado em um poste.” 

Rodrigo precisou amputar a parte de baixo da perna esquerda, mas recebeu muito apoio psicológico da família. 

“Tive o auxílio da família e amigos e em nenhum momento pensei em desistir. Sete meses após o acidente, tive um relacionamento e a minha parceira ficou grávida. Passei a ter responsabilidades maiores e tudo isso me ajudou a amadurecer mais rápido. Hoje, somos casados e pais de três filhos maravilhosos”, conta ele.

Desde 2016, o metalúrgico faz parte do time de paratletas do Instituto Athlon. Segundo ele, que pratica vôlei paralímpico, o esporte ajuda pessoas com deficiência na conquista de independência e autoestima. 

“Sempre que vejo alguém com qualquer tipo de deficiência, indico a prática de esportes. Em geral, praticar atividades só agrega valores e gera a sensação de melhoria contínua. É lógico que quero ser um atleta de alto rendimento, fazer parte de uma seleção brasileira na modalidade que disputo. Mas, de qualquer forma, se não conseguir chegar lá, tenho certeza de que melhorei muito o meu desempenho, tanto no trabalho quanto socialmente”, afirma Rodrigo.

O esporte na vida de Alan

Pessoas com deficiência: Alan Alex Nogueira
Alan Alex Nogueira, jogador de goalball

O esporte também ajudou Alan Alex Nogueira, 30 anos. Deficiente visual, ele também defende a prática esportiva como um caminho para lutar pela inclusão social das pessoas com deficiência. 

Alan desenvolveu glaucoma congênito ainda no útero de mãe, após ela ter contraído rubéola. Com isso, perdeu totalmente a visão ainda antes de nascer.

Quando tinha dois anos, Alan foi morar em Paraibuna com a avó e chegou a fazer tratamentos para recuperar a visão, mas desistiu tempos mais tarde. Aos 12 anos, foi para São José dos Campos estudar e acabou conhecendo o esporte. 

“Comecei a treinar goalball e gostei. Em 2009, participei da Seleção Brasileira juvenil e disputei o Parapanamericano na Colômbia. Desde que comecei a praticar esportes, me esforcei para ser um bom profissional e enfrentar a vida com naturalidade”, explica. 

Casado, Alan também tem um filho, de nove anos. Além de jogar, também é formado em locução e produção, e trabalha desenvolvendo comerciais para rádios em um estúdio em sua própria casa. 

Além do esporte, a inclusão deve estar também nos pequenos detalhes, ele pede: “Quando vou comprar uma roupa, os vendedores raramente me perguntam o modelo que eu quero provar; sempre se direcionam para quem está me acompanhando. Mas eu consigo responder, sei quais são os meus gostos. São as coisas simples que fazem a diferença. Nós queremos ser vistos como pessoas normais, não como deficientes”, explica.

As lutas diárias das pessoas com deficiência

Pessoas com deficiência: Clodoaldo Silva
O campeão paralímpico Clodoaldo Silva

Dono de 14 medalhas (seis ouros, seis pratas e dois bronzes) paralímpicas, Clodoaldo Silva compartilha a mesma visão. Em coluna ao UOL para lembrar o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, ele destaca que a luta que mais tem levado a sério atualmente é contra a visão estereotipada sobre os deficiente.

“Uma grande parte da sociedade ainda acredita que as pessoas com deficiência são limitadas. Por um lado, nos reduzem como pessoas fragilizadas e eternamente dependentes. Por outro, colocam nossas conquistas em um patamar inimaginável como se fossemos excepcionais e não pessoas naturais. Essa visão em relação a nós mascara os nossos reais problemas”, afirma ele. 

Portanto, ele pede que a sociedade mude a forma como enxerga as pessoas com deficiência, “deixando de ver a deficiência em primeiro plano”, afirma. 

“É essa visão que as induz a intuírem que somos incapazes de realizar atividades feitas pelas pessoas sem deficiência. Nós temos nossas individualidades, nossas histórias de vida, nossas dificuldades e nossas potencialidades. Simples assim. Todas as pessoas têm, não é mesmo? No entanto, nossas potencialidades só irão aparecer se tivermos acesso a uma série de condições sociais e econômicas garantidas para que possamos ocupar espaços de direito na sociedade”, destaca.

O campeão paralímpico também lembra outras lutas diárias das pessoas com deficiência.

“Neste ano, o debate é ainda mais necessário, já que a pandemia escancarou as desigualdades que nos atingem. Ficou mais evidente a nossa dificuldade no acesso aos direitos básicos, como locomoção, saúde, educação e, até mesmo, aos recursos tecnológicos. Para nós, pessoas com deficiência, todo dia é um dia de luta. Uma luta contra empresários que não contratam pessoas com deficiência e alegam que elas não são qualificadas; uma luta para caminhar nas calçadas das cidades; uma luta para entrar em um ônibus e até para conseguir um carro de aplicativo – quantos carros já não cancelaram a minha viagem quando eu disse que era cadeirante?”, escreve.